CONTO
DE ENCONTRO AO CORAÇÃO
Naquela noite chovia torrencialmente, o relógio da torre igreja batia as 2 horas ,mas o som era abafado pela intensidade dos trovões, os relâmpagos serpenteavam no céu rasgando o firmamento e a chuva que caia nas ruas parecia um rio lamacento que corria para o mar.
A noite passou, o dia chegou soalheiro.
Ana acordou, com o toque do telemóvel, era só mais um dia , como tantos outros que se repetiam diariamente, Ana era médica há tantos anos, que já nem se lembrava do primeiro dia que entrara naquele hospital, cheia de sonhos, sentindo-se como um anjo libertando as dores, as angústias de quem a ela chegava diariamente de corpo e mente debilitado.
Não…Ana já não era a mesma menina, de tanta dor que lhe passou pelas mãos, para acalmar o seu sofrer, acabou por guardar o coração e os sentimentos longe do olhar e do sentir.
Ouvia os pacientes mas sem os escutar, por vezes inconscientemente nem contacto visual fazia, forçando uma barreira entre o sentimento e a razão, era mais fácil medicar o corpo, sem se envolver com o sentimento.
Nesse dia chegou às urgências uma idosa que tinha sido encontrada pelos vizinhos desmaiada à porta do seu casebre de madeira inundado pela chuva da noite anterior, a sua roupa estava rasgada, molhada, coberta de lama.
Ana foi chamada para a atender e como sempre, muito profissional, fez o seu melhor, a paciente ficou internada e Ana no final do dia foi passar a ronda pelos doentes.
Quando chegou perto da idosa contrariamente ao que era habitual, parou junto dela, olhando-a nos olhos, era como se uma força oculta, inexplicável a atraísse naquele momento, o olhar daquela idosa tinha uma profundidade, uma tranquilidade , era como se existisse vida para além da vida, a sua cara enrugada pela sabedoria do tempo tinha escrito no semblante um amor e paz indescritível, comentava-se nos corredores do hospital que aquela mulher tinha perdido tudo, vivia sozinha há um ano, o marido tinha desencarnado, e nunca tivera filhos, agora até a sua casa tinha perdido.
Chegou-se mais perto, sentando-se na cama e segurando-lhe uma das mãos entre as suas perguntou-lhe?
Como se sente?
A idosa respondeu com um leve sorriso - está tudo bem Drª, tirando as dores, a falta de força , estou viva, não estou ? tenho o bem mais sagrado que os meus pais me deram, a Vida .
Ana perguntou-lhe , de onde lhe vem toda essa força, no meio da tempestade que está a viver?
A idosa respondeu, esticando o braço direito e colocando a mão no coração da médica,
Drª, posso ser velha, estar sozinha, neste momento nem um lar ter, mas enquanto tiver um sopro de vida, não perder a fé no ser humano, e sonhar, vou deixar o meu coração tocar a serenata da vida, mesmo com acordes desafinados, cada provação vou acolhê-la com sabedoria, esta vida terrena é feita de experiências, um dia quando eu partir nada de terreno vou levar, simplesmente o amor que plantei como semente neste mundo de ninguém, e será ele que alimentará a minha alma .
Ana ficou com os olhos marejados de lágrimas diante de tanta sabedoria , e naquele momento lembrou-se da menina que já fora , porque escolhera ser médica, mas ainda podia retomar novamente o sonho de ser um anjo na vida dos demais, mas com amor.
Ana olhou para a idosa de sorriso bondoso, e agradeceu, por ela ter regado a semente plantada outrora no seu coração quando se decidiu pela medicina, agora sabia que a razão e o coração precisavam de caminhar juntos .
Maria Jose Pereira
Apesar de tudo, existe o amor para ultrapassar tudo... Uma visão muito serena e cheia de paz...
ResponderEliminarAdorei o conto.
Beijos e abraços
Marta
Obrigada Marta, acredito que o amor é o pilar da salvação, gratidão pelo comentário
Eliminarbeijinhos
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Belíssimo e termo, doce teu conto,Maria José!
ResponderEliminarGostei de ler!
beijos, ótimo dia e fim de semana! chica
Gratidão Chica pelo teu terno comentário
ResponderEliminarbeijinhos